quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sobre uma brasileira na Alemanha

Faz quase uma semana que estou trabalhando na Alemanha e, nesse tempo, histórias não me faltam. Mas parei mesmo pra escrever sobre um caso específico, no dia em cheguei aqui.

Cheguei em Berlim na sexta à tarde, depois de ter conseguido me virar absurdamente bem no mega aeroporto de Frankfurt e achar meu voo para cá.
E minha auto-confiança era tamanha naquele momento que apesar de não lembrar de nada sobre Berlim e tampouco entender uma palavra em alemão, eu achei que me viraria bem chegando aqui by myself.
Assim sendo, caí no aeroporto de Tegel que, de tão ridículo, está mais para uma rodoviária. Assim que cheguei lá, me lembrei disso.
No aeroporto, fiquei às voltas com meu pensamento (estúpido!) sobre meu espírito de aventura e de parcimoniosa, considerando que eu deveria economizar os 20 euros do táxi e ir de ônibus pro hotel. Afinal de contas, são 20 euros que eu posso aproveitar melhor do que gastar no táxi e, afinal de contas de novo, eu já mochilei algumas vezes na vida e sei que chegar em uma cidade europeia é super simples.
Vão vendo.

Aí, não achava a saída do ônibus por nada e os táxis eram tão abundantes que me convenci pela facilidade do táxi. Mas algo ainda me dizia sobre meu lance de mochileira e um pensamento “ora, Marina, você já foi pra tantos lugares, e sozinha tantas vezes, você vai se dar bem de novo em Berlim”.
Aí, nessa minha disputa interna, eu caio na frente do ponto de ônibus. E justamente do ônibus 109 que, segundo o Lonely Planet, que até então eu não tinha (porque eu resolvi não comprar guia e pegar o da Ester emprestado e o guia dela é aquele guia ilustrado com as fotos dos lugares, e por que raios alguém vai querer um guia com imagens dos pontos turísticos se vai até lá ver tudo in loco??!?! Eu quero um guia com indicações precisas e mapas e recomendações. God bless Lonely Planet Guides!!!), mas que eu tinha consultado no aeroporto de Frankfurt (e decorado), era o ônibus que me levaria até o meu hotel.
E como dei de cara com o ônibus, achei que era um inconfundível sinal de que eu deveria encará-lo. E lá fui eu.
Comprei bilhete na maquininha, 2,10 euros (grande conquista!!!) e embarquei.

Entrando no ônibus, munida do meu papelzinho em que constava o nome do meu hotel e o endereço, perguntei (em inglês) ao motorista como faria pra chegar ali. E ele me respondeu prontamente, em alemão, algo que eu entendi lhufas, mas, pela indicação de sua cabeça, me fez supor que estar naquele ônibus era o caminho certo.
Ok, lá vou eu.

Quando estava no ônibus, me deu um certo desespero em não ter um mapa na mão, sem ter entendido o que o motorista tinha dito e sem compreender nada das estações que eram anunciadas. Mas ainda super confiante, perguntei a um casal de brasileiros que identifiquei no ônibus e cuja moça me parecia viver ali. Mostrei meu papelzinho de novo, quando já estava certa de estar na rua certa, e a moça me confirmou “é aqui, pode descer e procurar pelo número”.
Ok!!! Felicidade total.

Desci.
E procurei pelo número.
Como o sistema numérico da rua era completamente incompreensível pra mim, apelei pra ajuda (bom é que não tenho vergonha de pedir ajuda, mesmo sabendo que os alemães são zero solícitos). Um casal parou, viu meu papelzinho, fez cara de desentendido e chamou outro cara pra ajudar. Esse cara ajudou. Ele tentou me explicar que a numeração de ruas em Berlim sobe para um lado e desce para o outro e que isso faz algum sentido (não sei onde, porque na minha cabeça não faz). Mas, ok, ele viu meu papelzinho, pensou um pouco e apelou para seu iphone para ver a numeração (claro que eu já tinha apelado para o meu, mas não tive sucesso). Ele foi conclusivo: Você deve ir pra esquerda. Mas está super longe, pegue um ônibus.
Puta merda! Sério? Outro ônibus? No way. Vou pegar um táxi. Thanks a lot.

Tentei pegar um táxi. Mas o taxista que estava ali perto parado não podia me levar porque estava esperando alguém. Pedi ajuda, de qualquer forma, e mostrei meu papelzinho (estão vendo que é a quarta pessoa que vê meu papelzinho????). Ele também foi conclusivo: o caminho está certo. É para a esquerda. Deve estar longe um quilometro daqui, mas se você quiser ir andando, dá.
Era tudo o que eu queria saber! Vou andando então!!!!

E andei.
E andei.
E andei.
Porque estava lá pelo número 59 e, em São Paulo, isso significa que você deve andar uns 60 metros para chegar ao 114. Certo? E se são 50 metros em São Paulo e um quilometro em Berlim, não deve ser a pior coisa do mundo. Certo?
Pois sim, eu também achei certo. Mas vão vendo.

Eu já mencionei que carregava minha bolsa, minha mochila e mais uma mala de rodinha que pesava uns 23 quilos?
Afinal de contas, estou aqui para trabalhar. Faz frio. Sou uma lady. Não posso amassar minhas roupas. Não vou jogar tudo no meu mochilão, né? Muito fina!
Então, que eu carregava uma mala de rodinhas de tamanho médio que tive que pedir emprestada da minha mãe, porque eu só tenho mochilão ou malas de rodinha pequeninas para viagens curtas.
Então, eu vou lá andando meu quilometro pra chegar ao hotel. Eu, a bolsa, a mochila, a mala e o casaco, óbvio.

E ando uma quadra enorme inteira e olho o número: 62. “Não é possível, mas o passeio é bacana, olha quantas lojas bonitas”.
Mais uma quadra enorme, 65-67. “Não posso acreditar que isso vai assim tão devagar. Que frio do caralho. Mas vou aproveitar para escolher um lugar pra jantar”.
Outras e outras quadras, 73-74. “Aqui só tem loja cara, bem que minha mãe disse que essa rua era bem localizada, mas não vou achar lugar pra jantar aqui”.
Mais uma, 75-76. “Calma, Marina, já está chegando e logo você estará feliz no quentinho de seu quarto de hotel”.
Mais umas tantas quadras, 77-79, “O povo cadeirante de Berlim deve ser feliz porque eles podem se locomover sem percalços pelas ruas da cidade. Teste empírico, eu e minha mala”.
Mais quadras, 82-84. “Coitada da minha mãe, me emprestou uma mala novinha e eu vou devolver uma mala com rodinhas que parecem ter anos de uso, afinal as rodinhas da mala servem para deslocamentos em pequenas distâncias e estou aqui andando quilômetros arrastando esse troço”.
Outras quadras mais, 88-90. “Isso vai ter que ir pro blog, olha que ridícula situação, tudo isso pra economizar uns euros.”
Mais algumas quadras, 93-99. “Incrível!!! Agora vai rápido. Na próxima eu chego”.
Na próxima, 100, “Nãããããão acredito! Uma quadra inteira só para o número 100?!?!”.
E mais algumas tantas, 113-115, “Enfim!!!! O hotel é no 114-116. Atenção!!! 113... 114... 115, ué? Não era 114? Ok, vamos apostar no 116. Cadê o 116??? Vou atravessar a rua. Ué? 117? Cadê o 116??? E isso aqui é um banco. Vou voltar uma quadra. Ok, 113 de novo. Caracas, não faz sentido. Cadê meu papelzinho??? Hum... Kurfürstenstr. Na placa... Kurfürstendamm. Não, não é possível que eu fiz isso? Será que estou na rua errada?!?! Nãooooo.”
“Excuse me, sir, do you speak English?”
“Nein.”
“Ai, caralho, eu vou chorar. Ok, um jovem, ele fala inglês, certeza”.
“Excuse me, would you help me? I’m wondering if I am at the right street…” Papelzinho pra ele. “Oh, no. You’re looking for Kurfürstenstrassen and this is Kurfürstendamm”. “You’re kidding? Serious??? And is it close?” “Actually, no, you should take a bus.”
Quase chorando “A bus??? Ok, I’m gonna take a cab”. E peguei um taxi, que enfim me deixou na porta do meu hotel. Por 12 euros.

Saldo da minha auto-confiança e espírito de aventura: 2,10 euros pelo ônibus. 1 hora caminhando. 12 euros pelo táxi. E uma sensação incrível de ser uma analfabeta em alemão. E ainda tive que ouvir o motorista do táxi rindo de mim. E vocês já viram alemães rindo? Sádicos.


[Eu queria muitos escrever sobre os alemães e sobre como são as coisas por aqui. Mas o João Ubaldo Ribeiro já me vingou. Eu peguei emprestado da Ester “Um brasileiro em Berlim” para ler aqui. E eu tenho chorado de rir com ele. Se vocês quiserem entender melhor o que tenho passado, é só ler o livro.]