terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre chegadas

Na realidade, 20 de novembro de 2013.

Revivendo o blog num momento de espera. E revivendo arquivos, fotos e outros momentos. Enquanto espero, espero e espero.
E como o momento é de espera, mas de chegadas, quis deixar registrada aqui a cartinha que escrevi para a Teodora, filha da minha muito-muito-muito querida amiga Ester, quando ela nasceu em julho deste ano.
  


Montreal, 16 de julho de 2013


Teodora, minha querida,

Seja muito bem vinda a este mundo!!!
Em primeiro lugar, deixa eu me apresentar, eu sou a Marina. Você pode me chamar de tia Marina, apesar de eu saber que você já tem uma tia oficial chamada Marina. 
Assim sendo, você pode me chamar de tia Marinóvski (como sua mamis me chama), de tia MM, de tia Marinão ou do que você quiser. Com o tempo, a gente se ajusta nos nomes, no worries.
Eu, por minha parte, decidi te chamar de Dorinha. Escolhi Dorinha porque acho que seus pais não vão gostar muito do apelido e eu achei por bem ser uma tia pentelha para dar uma subvertida nas coisas. Mas, veja só, se você não gostar de Dorinha, eu posso reconsiderar o apelido. Digo que posso porque, como tia pentelha como já me assumi, pode ser que eu te chame de Dorinha na frente dos seus amigos quando você for uma adolescente, di modi a te fazer passar vergonha. Percebe?
Assim são as tias pentelhas...
Bom, estou escrevendo primeiro para me apresentar.
Eu sou amiga de sua mãe desde os idos anos 2002. Na verdade, eu conheço sua mamis desde 2002, mas não sei bem dizer quando foi que viramos BFF (best friends forever – tô explicando pra você e pra sua mamis, que sempre reclama das minhas expressões em outras línguas). Pois é, não sei dizer quando foi que viramos assim muito amigas. Mas viramos. E hoje somos muito-muito-muito amigas (essa também é para sua mamis, ou melhor, em homenagem à ela, que adora muito-muito-muito uma repetição).
Enfim, mas o fato é que eu e a sua mamis somos muito amigas. Do tipo que já vivemos um montão de coisas juntas. Nós nos conhecemos na faculdade, na SanFran (SãoFran, segundo sua mamis. Ó, isso vai ficando claro aos poucos na sua vida, tá? Não precisa se preocupar em aprender tudo agora...), aliás, acho que foi lá que sua mamis e seu papis se conheceram também. Bom, eu e sua mamis nos conhecemos na faculdade, fizemos política juntas no Grupo Ruptura (depois ela te conta mais) e assim fomos ficando amigas. Fizemos mil programas juntas. Viajamos juntas para vários lugares também, como para Buenos Aires, para Porto Alegre no Fórum Social Mundial, para Caraíva numa virada de ano, para o Rio em muitos carnavais, para vários congressos internos em Salto (na casa do tio Bruno, que você deve conhecer logo) e em outros interiores, para vivências, e sei lá mais quantas coisas que inventávamos. Eu também já fui visitar sua mamis em Munique, quando ela morava por lá e eu morava em Paris (muito phyna eu, eu sei), apesar de ela não ter ido me visitar em Paris, o que é quase imperdoável. Nós já rimos muito juntas e choramos juntas algumas vezes também. Já passamos uns enroscos e já resolvemos todos os problemas da humanidade e mais os problemas das nossas vidas em incontáveis mesas de bar. Nós já até moramos juntas, para você ter uma ideia. E sobrevivemos a isso! Considerando que somos pessoas bem diferentes no jeito de organizar uma casa, como você vai descobrindo, devo dizer que nós nos saímos muito bem na empreitada (e seu papis deve me agradecer todos os dias por ter contribuído com a treinamento de uma Ester mais organizada – hehe!).
Entonces, tudo isso para te contar quem sou eu na sua vida. Na real, estou te contando quem sou eu na vida da sua mamis, né? Mas do tanto que sou amiga da sua mamis, acho que a gente também pode ser amiga, né não??? Acho que essas já são boas credenciais para você me considerar uma pessoa de bem, diz aí?
De qualquer forma, eu juntei aqui umas fotinhos minhas e da sua mamis juntas em diferentes momentos dessa vida para você ver do que estou falando. Ah! E para você me reconhecer também, quando a gente se conhecer pessoalmente, né?
E, ó, repara que na última fotito você tá também! Tá dentro da barriga da sua mamis (como você chegou lá, sua mamis e papis vão se encarregar de te explicar um dia, belê?). Mas você tá lá! E eu tô te mandando um beijinho, viu só?
Bom, voltando, eu não estou por aí acompanhando de pertinho fisicamente o seu nascimento porque estou morando em Montreal, no Canadá. Montreal fica no Norte do mundo, mais precisamente na América do Norte. Tipo isso, só que ao contrário, ó:

Então, eu moro aqui desde 2012, pois vim trabalhar nas bandas de cá. Longa história sobre como vim parar aqui – um dia te conto – mas é por isso que não estou aí agora. E se a vida por aqui não tivesse dado toda uma embolada (boa!, já volto a isso), seguramente eu teria ido fazer uma visita para acompanhar a sua chegada nas bandas daí.
Mas voltando ao mundo do trabalho, eu estou aqui porque trabalho com prevenção da violência. Mais tarde você vai entender do que se trata. Por ora, basta dizer que estou aqui tentando mudar um pouquinho o mundo. Porque sabe Dorinha, esse mundo em que você chega agora tá precisando de uma chacoalhada, viu?     

Acho que estamos bem no processo de transformá-lo, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Especialmente para as mulheres, Dorinha. Você vai se ligar um dia de como a história da humanidade é uma história dos homens. As mulheres só começaram a participar ativamente de forma substantiva dessa história no século XX, acredita??
Esse é um tema super complexo, não vou te explicar agora, mas você pode ter aí em conta de que você está nascendo num mundo muito diferente para as mulheres do que quando as suas bisavós nasceram (ainda bem!!!). E essa transformação ainda está em processo...

De qualquer forma, existem pessoas que estão por aqui já batalhando para deixar um mundo muito mais bacana para você viver. Eu estou tentando fazer minha microparte nessa história. Sua mamis também faz o mesmo por aí. O seu papis e o seu tio Guiba (meu marido, que você também vai conhecer pessoalmente logo menos), também estão nessa luta. E mais um montão de amigos nossos e outras tantas pessoas que nem sabemos quem são em todos os cantos do mundo.
Dorinha, não é difícil ser uma pessoa que quer mudar o mundo e trabalhar para isso, sabia? Começar se indignando com as injustiças que existem por aí é o primeiro passo. E depois, é só você pensar em como você pode fazer a sua parte para tornar o mundo mais bacana e justo para todo mundo.

Nós estamos nessa luta e eu tenho certeza que você se juntará a nós. Eu sei, eu sei, parece grandes expectativas, né? Mas, olha, nascendo aí na sua família, eu tenho todos os motivos do mundo para ter altas expectativas.
Agora, veja, não se sinta pressionada, tá bom? Eu acho que ser uma pessoa que quer fazer do mundo um lugar mais bacana é o caminho natural. Ninguém está esperando demais de você, nem estamos apostando as nossas fichas em você porque somos frustrados com as nossas escolhas. Nada disso!
Só estamos todos confiantes (aqui estou incluindo seus pais, o resto da família e mais a família ampliada que são os amigos do coração – você vai entender um dia) de que com a educação que você terá aí na sua casa, com os seus pais, você naturalmente será uma pessoa bacana querendo deixar o mundo um lugar melhor para todas as pessoas.

E, Dorinha, pode se considerar uma pessoa privilegiada por ter nascido nessa sua família aí. Seus pais são pessoas incríveis que vão te apresentar o mundo de um jeito todo especial...

Eles vão errar, seguramente, acho que esse é o normal. Mas eles vão acertar mais do que errar no longo prazo, pode confiar nisso.
E quando você estiver de saco cheio dos seus pais, você pode correr para os seus tios – tipo para a sua tia aqui. Porque os tios, em geral, tendem a te defender dos seus pais, mesmo que, no fundo, eles concordem mais com os seus pais. É uma coisa de solidariedade familiar e de birra entre adultos, sei lá, tô divagando aqui, mas acho que você pode confiar nessa minha intuição.

Assim, se você quiser apoio para as suas crises existencias adolescentes mal compreendidas pelos seus pais, por exemplo, pode vir, que estarei de braços abertos. Se você quiser que alguém te ensine a criar um perfil no facebook ou a mexer no seu celular novo, também pode me procurar (se é que eu vou ser assim tão atualizada quando você tiver idade para essas coisas, hehe). Mas sério, podemos pensar em várias situações em que você pode me procurar para te apoiar.
Agora, veja só, se for para pedir princesa da Disney de aniversário ou se quiser um adulto responsável para te levar no show da boy band do momento, minha amiga, melhor você contar com outros tios, tá bem? Que essas aí eu vou estar passando, meu bem.
Até porque, Dorinha, não te contei isso ainda, mas eu também serei mamis em breve, se tudo seguir bem. Estou por aqui fabricando na minha barriga dois amiguinhos para você. E, olha que bacana!, Dorinha, você será mais velha do que os meus filhos (eu ainda não sei se eles serão meninos ou meninas ou um menino e uma menina, tá?) e vai poder ensinar para eles muita coisa do alto da sabedoria que os seus seis meses de vida a mais lhe concedem.
Espero que você e meus filhos sejam amigos assim como eu sou amigona da sua mamis. Diz aí se não ia ser legal?
Vai ser legal também para a sua mamis se solidarizar com os meus filhos contra mim, assim como eu me solidarizarei com você contra ela, veja só!

Enfim, Dorinha, essa cartinha é só para começar essa nossa história juntas. Espero que muitas e muitas cartinhas ainda venham por aí. Eu vou a-do-rar receber uma cartinha sua quando você já souber escrever sozinha. Pensa só que bacana vai ser?
E pensa só que quando a gente for bem mais velha a gente vai ter um monte de cartinha para contar a nossa história? Que nem os seus pais têm um monte de emails para contar a história deles. E eu e sua mamis também temos também um monte de emails que contam a nossa história.

Ah! E a cartinha é também um registro desse dia em que você nasceu, porque estou aqui terminando essa cartinha no dia 16 de julho de 2013, exatamente no dia em que você nasceu.
Quem me contou que você nasceu foi a sua tia Quel. E me contou quase real time, porque eu pedi para ser assim. Apesar de estar longe, eu queria estar pertinho. E a tia Quel me deixou bem pertinho desse momento todo especial. Já vi algumas tantas fotinhos suas, que já estou até me sentindo íntima!
E também falei com a sua mamis logo cedinho para saber como foi a sua chegada. Falamos rapidinho, mas depois ela me conta tudo com calma, quando ela tiver mais tempo e quando ela também tiver processado tudo o que ela andou vivendo.
Para registrar esse dia, estou te mandando dois exemplares do dia de hoje de jornais que circulam por aqui em Montreal. São os jornais de distribuição gratuita que temos aqui, para você saber o que estava acontecendo no mundo – ou o que era notícia do que acontecia no mundo em Montreal no Canadá – no dia em que você nasceu. No 24h, tem até um horóscopo que fala sobre a personalidade de quem nasceu no dia de hoje. Olha lá. Tá em francês, mas pede pros seus pais traduzirem para você. Eu acho tudo isso uma baboseira – essa coisa mística, horóscopo, sei lá –, mas vai que você se identifica, né?
E, olha, vou admitir, uma cartinha decente merecia ser escrita à mão, eu sei disso. E você pode até ficar indignada com essa cartinha aqui. Mas me explico. É o seguinte, minha amiga, meu jeito de organizar o texto é todo caótico, de modo que vou editando tudo ao longo do que escrevo, começo pelo fim, volto pro começo, escrevo o meio e mudo tudinho de lugar de novo e várias vezes... Fora que vou escrevendo na cabeça, antes de botar no papel e vou escrevendo ao longo de dias e dias – essa cartinha começou há mais de mês, para você ter ideia. Assim sendo, eu resolvi escrever tudo isso no computador para depois passar a limpo. E você se adiantou e nasceu muito cedo e não deu tempo de passar a limpo...
Mentira! Mentira deslavada!!! Esse finalzinho é mentira. Você não está nada adiantada, flor. A verdade é que desde que saí da faculdade, eu não escrevo longos textos à mão e, veja só, minha mão não está mais acostumada a tamanho esforço e ela doía somente de imaginar que eu fosse passar tudo o que tá aqui a limpo. Tá ligada? Entonces, daí, que eu decidi que a cartinha ia ficar mesmo toda bonitinha ainda que fosse toda digitada, porque foi escrita com muito amor. Mas para melhorar a situação e deixar tudo mais pessoal, eu enchi a sua cartinha de Mafalda, porque tenho certeza que você vai gostar da Mafalda tanto quanto eu e seus pais gostamos, quando você for grande para entendê-la. Percebe? E aí, ficou bonitinha, vai? Acho que posso ser perdoada pela carta digitada, néééé?

Enfim, minha querida, escrevo para desejar as melhores boas vindas nesse mundo e para te contar que você foi toda muito querida e desejada por todo mundo que tá aí/aqui por perto. Que bom que você chegou!
E quero desejar também que sua vida seja muito cheia de vida por aí. E que ela seja toda repleta do seu bem viver, que você vai descobrindo e construindo ao longo do seu caminho.

Dorinha, te mando todo o meu carinho e um cheiro. Nos vemos em breve!
Com amor,
Marina