quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sobre apartamentos, o italiano, o racista e o gato, entre outros proprietários


Pois sim, faz um tempãozão que não consigo parar e escrever algo aqui. Uma pena. Adoraria ser mais assídua com o blog. Mesmo. Mas acabo por não priorizá-lo. Escrevo mil textos na cabeça e nunca paro para escrevê-los de verdade e publicá-los.
Mas sei que tenho leitores (porque acompanho as estatísticas do brogui), o que é ainda mais surreal. Tipo essa minha amiga louca controladora querida e atenta, a Isabela, que sempre passa aqui para ver o nada que atualizei e me manda um esculacho falando sobre o quanto eu não sei ter um blog recadinho delicado sobre como ela sente falta dos meus textos.
Ok, parênteses feito, vamos lá. Esse texto tá velho, mas tá novo. Vocês já verão porquê.

Então que o Quebec tem esse lance de dia da mudança. Vou explicar. Dia primeiro de julho é o dia da mudança no Quebec. Isso porque a graaande maioria dos contratos de aluguel aqui são de um ano e vão de 01 de julho de um ano a 30 de junho do ano seguinte. Não por coincidência, primeiro de julho é feriado nacional, ou o dia do Canadá. Acham que o Quebec escolheu esse dia para ser o dia da mudança por quê? Boicote, óbvio. Tem coisa que mais impossibilita uma festa ou comemoração qualquer do que o dia em que você vai fazer uma mudança?!?! Tem não, né?
Pois sim. Então, com esse lance dos contratos anuais, todo mundo tem que avisar o landlord se vai mudar ou não com algum prazo de antecedência, o que ocorre geralmente em março.
Assim, tal qual fomos informados, março era o momento ideal para acharmos o nosso novo lar. E lá fomos nós, Guiba e eu, muito dedicados, nos enfiarmos de cabeça na busca pelo lar prometido.

E quase enlouquecemos na busca. Sério.

O esquema é hobbesiano (o tal todos contra todos). Algumas pessoas fazem um open house que, in the case, significa que em um determinado dia e durante tantas determinadas horas, qualquer um pode passar e visitar a casa. Outras pessoas preferem agendar hora com cada interessado, o que pode ser feito por email ou telefone. Em geral, telefone, para eles terem certeza de que você está interessado. Em alguns casos, a pessoa já te faz umas perguntas por telefone mesmo e te descarta na maior se você não tiver o perfil.
Quando rola a visita, se você gostar, pode fechar o negócio ali na mesma hora e sair de lá devidamente apartamentado. O proprietário pode decidir também priorizar a ordem de chegada (ou de visitas) e dar um dia para você manifestar o seu interesse. Ou pode ser que o dono vá fazer uma lista de interessados e vai escolher depois quem é o seu preferido, segundo seus critérios nada objetivos. Nada objetivos, porque, afinal, como bons canadenses que se prezam eles não perguntam nada da sua vida pessoal. Nem mesmo de onde você vem. Ah! E sempre tem a tal verificação de crédito que, in the case, significa que eles vão ver se seu nome não tá sujo na praça.
Mas o mais curioso de tudo isso é que a escolha sobre quem vai levar o tão sonhado aluguel de um 4½ (isso significa, 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, tá leigos?!?) no melhor lugar do Plateau Mont Royal não tem nada a ver com quem vai pagar mais. Porque o preço não muda. Em uma ocasião, para um apartamento no qual estávamos bem interessados, pensei em fazer uma proposta de aumentar o valor do aluguel para ver se ganhava o coração do proprietário e dava um cambau no casal que tinha dito que queria fechar o apê antes da gente, maaaaas confesso que fiquei com medo de ser presa por não saber joga o fair play do universo dos aluguéis em Montreal e não propus nada além de fazer a minha cara de coitada e sofrida para o dono ter dó de mim.

O dono não teve dó de mim. Nem esse e nem o outro que não nos escolheu. Porque eles são canadenses e canadenses são justos e burocráticos e seguem à risca as regras que eles mesmos criaram e não vão alugar nada para você só porque você tem essa cara lidinha de coitada e sofrida e limpinha ou porque que seu marido tem um PhD e também coleciona discos e toca flauta transversal que nem ele. 
Entonces, que no fim das contas, visitamos uns 20 apartamentos no total. E só dois – doizinhos! – nos interessaram a ponto de fazermos uma cara de casal limpinho investida para tentar alugá-los. Para o primeiro, fizemos toda a aplication, loooonga aplication, para sermos avisados horas depois que o casal que tinha aplicado antes de nós, ficou com o apê. No segundo, estávamos na fila para ver se o dono ia nos escolher, mas ele não nos escolheu...

Mas o lance é falar sobre os apartamentos que não nos interessaram. Ou das pessoas que se interessaram muito por nós. (Me-do.). Vou contar os highlights.

Tipo o italiano. O italiano era um figura. Fomos lá visitar o apê. Guiba e eu. E ele foi com a nossa cara. Mas num tanto e num tanto, que ele começou a ligar para mim no dia seguinte até eu ter de ser mal-educada e parar de atender. Ele me ligou algumas vezes para saber se nós já tínhamos decidido. Até que (bote um sotaque italiano falando em inglês aqui) “Marina, me fala, qual o problema com o meu apartamento? É o preço??? Marina, me fala o seu preço e eu fecho!”, eu tentei argumentar que não era lá bem o que eu tinha em mente. E ele, “ah, você está procurando o apartamento ideal, né?” Eu, “isso” (achando que estávamos chegando em algum grau de compreensão aqui, no estilo não vou dizer que não gostei do seu apê, afinal nem achei seu apê uma bosta, mas eu tenho esperança de achar algo melhor, mas não quero te descartar assim tão rápido). E ele, “pois desiste, o apê ideal não existe e se você enrolar, vai ficar sem nenhum”. Obrigada pelo conselho, néah? Aí, tivemos que cortar relações. Mas juro que o italiano era figura. Depois da visita, o Guiba soltou um “a gente não quer alugar esse apê, né?, mas a gente podia chamar esse cara para comer uma pizza qualquer dia...”. Não alugamos o apê e ainda não chamamos o Domenico para a pizza.

Teve um outro cara mais estranho ainda. Ele gostou de mim. Mas eu nunca o vi na vida. Nós fomos visitar o apê e quem estava por lá era a atual tenant, uma estudante que não devia ter mais de 19 anos. Eu troquei duas palavras com a menina. Guiba, por sua vez, só disse oi e tchau. Mas eu ganhei o coração dela sei lá porque cargas d’água. Talvez porque eu tenha pedido licença e agradecido por ela ter nos recebido na casa dela, o que deve ser um comportamento alto padrão na batalha dos apês em Montreal. Mas ela falou algo sobre mim para o proprietário que o impressionou e ele me ligou na mesma noite para querer fechar o negócio. Mas nesse caso era mais do que osso. O apê era horroroso e estava nojento. Tipo república em que moram 12 caras e que nunca viu uma faxina. Mas minha elegância não me permitiu dizer isso para o cara, que continuou me ligando, mandando mensagem no celular e emails. E eu parei de atender, óbvio.

Em outro apartamento que visitamos, o administrador (que é um zelador com mais status) tentou nos convencer que ali estava nossa futura casa. O apê não era péssimo, mas não era super bacana também. Mas olha isso. O cara abria a casa de todo mundo, na maior, para mostrar os apês. Abria sem bater e perguntava gritando se alguém estava por lá. E achando que estava ganhando nossos corações, ele começou a contar sobre como a vizinhança era bacana e dar detalhes da vida de todos os moradores do prédio. A-han que eu quero o cara vigiando a minha vida, né? Mas até aí achávamos que aquela podia ser uma opção razoável – preço, tamanho e localização até estavam valendo a pena. Até que, para ressaltar a qualidade do prédio que ele administra, o cara avisa que lá não tem nenhum negro morando: “eu não sou racista nem nada, mas sabe como é, né?, são hábitos diferentes”. Parei de ouvir e fiquei tentando lembrar se eu sabia se racismo era crime no Canadá e se eu poderia chamar a polícia para prender o infeliz. E de lá fomos embora sem lar.

Outro figura master era o quebecois doido. O apê (eu precisaria explicar o que é apê em Montreal, tá?, porque não é apê que nem estamos acostumados em Sampa. Em geral, é mais um estilo casa antiga dividida em alguns apezinhos, o que pode causar umas situações nada razoáveis para os meus parâmetros e que eles consideram super normal, do tipo ter um quarto sem nenhuma janela ou um banheiro no meio da sua cozinha) era nada agradável. No nível da rua e com um porão com mais mofo do que sei lá o quê, onde ficavam as máquinas de lavar e secar e tinha um quarto que ele queria nos convencer a ser o das visitas – tipo, super razoável instalar pai e mãe na lavanderia mofada, certo? Mas isso tudo foi o que eu adivinhei da conversa com ele, porque ele falava quebecois (que por alguma razão estranha, eles insistem em achar que é língua francesa) e eu não entendia quase nada do que ele estava dizendo. Guiba já tinha desistido há muito, mas eu sou mais perseverante. Até que o cara resolve abrir a porta da cozinha para a rua (todo lugar aqui tem duas saídas – por menor que seja, é lei, você tem que ter duas saídas para casos de emergências) para mostrar para a gente que dava para botar um barbecue ali (na ruazinha lateral) e usar a rua como seu quintal (para parâmetros de Montreal tá tudo ok) e ao fazer isso um gato entra na casa. E ele, sem sofrer muito, constata que o gato era o gato dos atual tenants que ele deve ter deixado escapar em alguma visita anterior e que agora estava retornando ao lar. Aí, o gato sai de novo pela porta e fica na rua. E o cara, constatando agora que era meio grave perder o gato alheio, vai tentar resgatá-lo. Estou chorando de rir ao lembrar a cena, mas não vou conseguir descrever para vocês visualizarem. Mas tento. O cara, meio que vestido de pijama, um senhor já, conversando com o gato em quebecois (uhuuuuuu le chat...) e fazendo uma estratégia para agarrá-lo enquanto o gato, com toda a sua gatice que lhe é peculiar, vai dando o maior baile no cara. Eu teria que desenhar. Ou fazer uma reprodução em filme. Mas juro, de gargalhar. Eu e Guiba até sentimos que devíamos ajudar o coitado do gato, mas não conseguíamos parar de rir.

E no fim das contas, visitamos todos esses apartamentos e outros tantos e paramos, para não mais sofrer. Desistimos. Apostamos que não ficaríamos na rua e decidimos dar um tempo para aparecer aquele sinal divino. E óbvio que o sinal apareceu, né? Veio da sala ao lado. Comentei com um colega de trabalho sobre a busca sofrida e ele me apareceu com o apartamento de um super amigo dele, pronto para morar, melhor localização ever, super limpo e bem cuidado, grandãozão e tudo o mais. É praticamente um 6 ½, o que significa que tem 6 cômodos mais banheiro, tzá?
E é isso, estamos aqui, lindamente instalados e esperando a visita dos lindos que estão aí. Simples assim. Óia a foto de um pedaço do apê já com a nossa cara aqui, ó. Que orgulho do lar: