sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sobre auto-sabotagem, selfvergonha, o aeroporto e o bright side


Pois sim, pratiquei nova auto-sabotagem. Acho que sou meio especialista.
E estou com tanta selfvergonha que achei por bem dividir.

Pois bem, estou aqui no aeroporto de Bogotá. Há 8 horas estou aqui. Ficarei mais 8. E sabem por quê? Porque perdi meu voo para Atlanta e, consequentemente, meu voo para Montreal.
Sério. Vão vendo.

Cheguei duas horas e meia antes, fiz check in, fui pro embarque, comprei café e umas bugiganguinhas para torrar os meu últimos pesos. Última vez que olhei o relógio, eram 08h50. Tinha um voo às 10h35. Sentei para tomar um delicioso café colombiano e me pus a acertar alguns dos meus emails de trabalho dos 4 dias que passei fora.
Assim, tranquila.

Olhei o relógio de novo. 10h10. Pensei, hum, ferrou. Corri, manca (que estou com o joelho inflamado). E o café estava a 200 metros, se tanto, do portão de embarque.
Enquanto corria coxa, via a cara de espanto dos funcionários no portão de embarque, o que já me anunciava a merda, ou o milho, como diria o Guiba.
Chego.
Ah, señora, pero el avión ya cerró sus puertas. Usted ya no puede embarcar.

Mano. MA-NO! Pedi, implorei, dei uma choradinha, mas não havia o que fazer. Lama. LA-MA.
Surreal o que fiz comigo mesma.

E ainda levei bronca dos funcionários que me contaram que me anunciaram no alto-falante, que me buscaram na imigração e que passaram gritando o meu nome nos outros portões de embarque. Tão entendendo???

Depois disso, passei as próximas horas aventando todas as minhas possibilidades de chegar em casa o mais rápido possível. Percorri o aeroporto inteirinho, terminais 1 e 2, e os fundos, onde ficam as oficinas das cias aéreas, umas dez vezes no mínimo. E ainda contei com a ajuda da minha mãe, sempre parceira, se mobilizando diretamente de São Paulo.

Enfim, às 14h00, consegui resolver com a Delta mesmo, um voo para NY e de lá para Montreal. Saindo daqui às 23h59. Não sem antes pagar a multa pela alteração. Olha que tudo!
E aqui estou eu, na lama. No aeroporto de Bogotá.
E nem me atrevi a sair daqui que, com o trânsito de Bogotá, corre o risco de eu chegar em Montreal nunca mais.

E assim estoy, mais 8 horas me esperam para entrar num avião para voar 6 horas até NY, esperar 3 horas e voar outra hora e meia até Montreal. Seguro que dava para chegar na China nesse tempo.

Enfim, faz bem compartilhar a desgraça. Acho.

Tentando um “look at the bright side”, o aeroporto está com um terminal internacional novo e tem internet de grátis. Olha que bom!

E olha outra coisa o bacana, o senhor guardinha do controle de passaportes que teve que cancelar o meu carimbo de saída da Colômbia, me encontrou há pouco no saguão do aeroporto e me parou para perguntar como eu estava e se eu tinha conseguido resolver minha situação. Um senhorzinho fofo de tudo. Quase, qua-se, dei um abraço nele.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sobre a piada e o crime

Estive em Tijuana, México. 
E foi tudo bem, apesar do terrorismo que minha tia fez, me dizendo que Tijuana sempre aparece no CSI, ou todos os alertas que o agente de imigração americano fez quando eu disse que só passaria em trânsito pelos EUA e Tijuana era meu destino final. 

Mas, vá lá eu nunca aceito esses terrorismos e na minha área de trabalho é comum eu parar nesses lugares tidos como os mais violentos do mundo.

E sempre que viajo a trabalho para essas áreas difíceis, rola a pergunta sobre o meu trabalho. E eu sempre respondo com a minha piada típica: trabalho com o crime. E fico curtindo a cara de espanto do meu interlocutor pelos 10 segundos que se seguem à minha resposta. 

E aí que estou no carro com o motorista e um assistente que me levavam de San Diego a Tijuana. 
Veio a pergunta. 
E eu tasquei minha resposta: "trabalho com o crime". 
E nisso, o cara que dirigia o carro me responde: "nós também!". 
...
Imaginam a minha cara nos 10 segundos seguintes?! 

Rá! Feitiço contra a feiticeira!

Eles eram advogados criminais. Só isso. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Sobre casais e ursos

No mês passado, tiramos umas mini-férias e fizemos uma viagem pela Gaspésie, que é uma península aqui no Quebec, que fica entre o Rio Saint Laurent (ou Saint Lawrence, em inglês) e o Atlântico. Os 10 dias foram as mini-férias que conseguimos tirar, no meu caso somando dias de recuperação pelas viagens em que tenho que passar o fim de semana fora e dias de doença (valeu, direitos trabalhistas canadenses!!!). A viagem foi incrível.
E teve alguns highlights. Vou contar do urso. 

Gente, vimos um urso! Um não. Vimos dois ursos!!! Não juntos. Um de cada vez. Eu só vi um, na verdade, mas meu pai e Guiba viram os doizinhos. Mas olha que coisa! Vimos os ursos e não saímos correndo de medo e até achamos o máximo. Mais ou menos. 

Foi assim ó:
Antes de partirmos, pegamos mil informações sobre a região, né? Uma amiga, que já fez parte dessa viagem, contou para a gente sobre o folheto que ela pegou em um dos parques que explicava sobre o que fazer no caso de você dar de cara com um urso. 
Basicamente, a sobrevivência se garante em alguns passos: 1) se você viu o urso, mas ele não te viu, você sai andando de costas, olhando para ele – para monitorá-lo – devagar e sem barulho; 2) se você viu o urso e ele te viu, você pode se fingir de morto e torcer pro urso acreditar que você está mortinho da silva; agora 3) se você viu o urso, ele te viu, nada disso funcionou e ele te atacar, fingir de morto não resolve, você tem que atacar o urso de volta (ou seja lutar com o urso, entenderam, né?). 
Mas aí que nós chegamos ao parque, perguntamos sobre o urso e o guia que nos atendeu disse que era muito difícil a gente dar de cara com um urso, porque os ursos morrem de medo da gente e, como eles têm uma alimentação que é 95% vegetariana, ainda que víssemos o urso, era mais provável ele correr da gente do que nos atacar. Além disso, estando em quatro pessoas, o urso ouviria nosso barulhos e se mandaria, antes que pudéssemos vê-lo. E ele ainda mostrou as florzinhas amarelas que são a base da alimentação do urso preto (que é o urso local) para comprovar a alimentação vegetariana do bicho, sacou?
Ok, muito bem informados, entramos na trilha. E lá na trilha tinha um sem número de florzinhas amarelas, mas nós nem estávamos lembrados da existência do urso. Até que quando estávamos chegando ao fim de uma parte da trilha, o meu pai e o Guiba acharam que tinha gente no meio da mata (o que é total proibido por aqui, você só pode andar na trilha) e ao analisar que a tal gente andava agachada, concluíram com sapiência de que se tratava de um urso. 
O urso se foi, mas aí, nós quatro piramos para achar o urso. Ficamos no maior silêncio possível fazendo o resto da trilha para não espantar qualquer urso que por ventura estivesse por ali, e na maior atenção olhando para dentro da mata, procurando ursos. Mas não vimos mais nada. 
Até que chegamos a um pedaço da trilha em que meus pais desistiram de continuar. Eram mais 2,5km e eu e Guiba fomos sozinhos. Nova trilha, mata bem fechada, eu e Guiba. E nós procurando o urso. 
Até que meu marido, num lampejo de sanidade, repara “Marina, a gente é louco de estar procurando um urso! Tipo, estamos nós dois, no meio dessa mata fechada, sozinhos, se um urso aparecer, fod...”. Percebem??? 
Sa-ni-da-de.
E então, seguimos os quilômetros restantes fazendo barulho, pisando forte, cantando e assobiando, just in case, né...


Tão entendendo o espírito??

O segundo urso nós vimos da estrada, quando estávamos devidamente protegidos em nosso carro. Sem glamour nenhum, tipo simba safári. 
Não tão legal, né?, mas aqui estou para contar a história!


quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sobre apartamentos, o italiano, o racista e o gato, entre outros proprietários


Pois sim, faz um tempãozão que não consigo parar e escrever algo aqui. Uma pena. Adoraria ser mais assídua com o blog. Mesmo. Mas acabo por não priorizá-lo. Escrevo mil textos na cabeça e nunca paro para escrevê-los de verdade e publicá-los.
Mas sei que tenho leitores (porque acompanho as estatísticas do brogui), o que é ainda mais surreal. Tipo essa minha amiga louca controladora querida e atenta, a Isabela, que sempre passa aqui para ver o nada que atualizei e me manda um esculacho falando sobre o quanto eu não sei ter um blog recadinho delicado sobre como ela sente falta dos meus textos.
Ok, parênteses feito, vamos lá. Esse texto tá velho, mas tá novo. Vocês já verão porquê.

Então que o Quebec tem esse lance de dia da mudança. Vou explicar. Dia primeiro de julho é o dia da mudança no Quebec. Isso porque a graaande maioria dos contratos de aluguel aqui são de um ano e vão de 01 de julho de um ano a 30 de junho do ano seguinte. Não por coincidência, primeiro de julho é feriado nacional, ou o dia do Canadá. Acham que o Quebec escolheu esse dia para ser o dia da mudança por quê? Boicote, óbvio. Tem coisa que mais impossibilita uma festa ou comemoração qualquer do que o dia em que você vai fazer uma mudança?!?! Tem não, né?
Pois sim. Então, com esse lance dos contratos anuais, todo mundo tem que avisar o landlord se vai mudar ou não com algum prazo de antecedência, o que ocorre geralmente em março.
Assim, tal qual fomos informados, março era o momento ideal para acharmos o nosso novo lar. E lá fomos nós, Guiba e eu, muito dedicados, nos enfiarmos de cabeça na busca pelo lar prometido.

E quase enlouquecemos na busca. Sério.

O esquema é hobbesiano (o tal todos contra todos). Algumas pessoas fazem um open house que, in the case, significa que em um determinado dia e durante tantas determinadas horas, qualquer um pode passar e visitar a casa. Outras pessoas preferem agendar hora com cada interessado, o que pode ser feito por email ou telefone. Em geral, telefone, para eles terem certeza de que você está interessado. Em alguns casos, a pessoa já te faz umas perguntas por telefone mesmo e te descarta na maior se você não tiver o perfil.
Quando rola a visita, se você gostar, pode fechar o negócio ali na mesma hora e sair de lá devidamente apartamentado. O proprietário pode decidir também priorizar a ordem de chegada (ou de visitas) e dar um dia para você manifestar o seu interesse. Ou pode ser que o dono vá fazer uma lista de interessados e vai escolher depois quem é o seu preferido, segundo seus critérios nada objetivos. Nada objetivos, porque, afinal, como bons canadenses que se prezam eles não perguntam nada da sua vida pessoal. Nem mesmo de onde você vem. Ah! E sempre tem a tal verificação de crédito que, in the case, significa que eles vão ver se seu nome não tá sujo na praça.
Mas o mais curioso de tudo isso é que a escolha sobre quem vai levar o tão sonhado aluguel de um 4½ (isso significa, 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, tá leigos?!?) no melhor lugar do Plateau Mont Royal não tem nada a ver com quem vai pagar mais. Porque o preço não muda. Em uma ocasião, para um apartamento no qual estávamos bem interessados, pensei em fazer uma proposta de aumentar o valor do aluguel para ver se ganhava o coração do proprietário e dava um cambau no casal que tinha dito que queria fechar o apê antes da gente, maaaaas confesso que fiquei com medo de ser presa por não saber joga o fair play do universo dos aluguéis em Montreal e não propus nada além de fazer a minha cara de coitada e sofrida para o dono ter dó de mim.

O dono não teve dó de mim. Nem esse e nem o outro que não nos escolheu. Porque eles são canadenses e canadenses são justos e burocráticos e seguem à risca as regras que eles mesmos criaram e não vão alugar nada para você só porque você tem essa cara lidinha de coitada e sofrida e limpinha ou porque que seu marido tem um PhD e também coleciona discos e toca flauta transversal que nem ele. 
Entonces, que no fim das contas, visitamos uns 20 apartamentos no total. E só dois – doizinhos! – nos interessaram a ponto de fazermos uma cara de casal limpinho investida para tentar alugá-los. Para o primeiro, fizemos toda a aplication, loooonga aplication, para sermos avisados horas depois que o casal que tinha aplicado antes de nós, ficou com o apê. No segundo, estávamos na fila para ver se o dono ia nos escolher, mas ele não nos escolheu...

Mas o lance é falar sobre os apartamentos que não nos interessaram. Ou das pessoas que se interessaram muito por nós. (Me-do.). Vou contar os highlights.

Tipo o italiano. O italiano era um figura. Fomos lá visitar o apê. Guiba e eu. E ele foi com a nossa cara. Mas num tanto e num tanto, que ele começou a ligar para mim no dia seguinte até eu ter de ser mal-educada e parar de atender. Ele me ligou algumas vezes para saber se nós já tínhamos decidido. Até que (bote um sotaque italiano falando em inglês aqui) “Marina, me fala, qual o problema com o meu apartamento? É o preço??? Marina, me fala o seu preço e eu fecho!”, eu tentei argumentar que não era lá bem o que eu tinha em mente. E ele, “ah, você está procurando o apartamento ideal, né?” Eu, “isso” (achando que estávamos chegando em algum grau de compreensão aqui, no estilo não vou dizer que não gostei do seu apê, afinal nem achei seu apê uma bosta, mas eu tenho esperança de achar algo melhor, mas não quero te descartar assim tão rápido). E ele, “pois desiste, o apê ideal não existe e se você enrolar, vai ficar sem nenhum”. Obrigada pelo conselho, néah? Aí, tivemos que cortar relações. Mas juro que o italiano era figura. Depois da visita, o Guiba soltou um “a gente não quer alugar esse apê, né?, mas a gente podia chamar esse cara para comer uma pizza qualquer dia...”. Não alugamos o apê e ainda não chamamos o Domenico para a pizza.

Teve um outro cara mais estranho ainda. Ele gostou de mim. Mas eu nunca o vi na vida. Nós fomos visitar o apê e quem estava por lá era a atual tenant, uma estudante que não devia ter mais de 19 anos. Eu troquei duas palavras com a menina. Guiba, por sua vez, só disse oi e tchau. Mas eu ganhei o coração dela sei lá porque cargas d’água. Talvez porque eu tenha pedido licença e agradecido por ela ter nos recebido na casa dela, o que deve ser um comportamento alto padrão na batalha dos apês em Montreal. Mas ela falou algo sobre mim para o proprietário que o impressionou e ele me ligou na mesma noite para querer fechar o negócio. Mas nesse caso era mais do que osso. O apê era horroroso e estava nojento. Tipo república em que moram 12 caras e que nunca viu uma faxina. Mas minha elegância não me permitiu dizer isso para o cara, que continuou me ligando, mandando mensagem no celular e emails. E eu parei de atender, óbvio.

Em outro apartamento que visitamos, o administrador (que é um zelador com mais status) tentou nos convencer que ali estava nossa futura casa. O apê não era péssimo, mas não era super bacana também. Mas olha isso. O cara abria a casa de todo mundo, na maior, para mostrar os apês. Abria sem bater e perguntava gritando se alguém estava por lá. E achando que estava ganhando nossos corações, ele começou a contar sobre como a vizinhança era bacana e dar detalhes da vida de todos os moradores do prédio. A-han que eu quero o cara vigiando a minha vida, né? Mas até aí achávamos que aquela podia ser uma opção razoável – preço, tamanho e localização até estavam valendo a pena. Até que, para ressaltar a qualidade do prédio que ele administra, o cara avisa que lá não tem nenhum negro morando: “eu não sou racista nem nada, mas sabe como é, né?, são hábitos diferentes”. Parei de ouvir e fiquei tentando lembrar se eu sabia se racismo era crime no Canadá e se eu poderia chamar a polícia para prender o infeliz. E de lá fomos embora sem lar.

Outro figura master era o quebecois doido. O apê (eu precisaria explicar o que é apê em Montreal, tá?, porque não é apê que nem estamos acostumados em Sampa. Em geral, é mais um estilo casa antiga dividida em alguns apezinhos, o que pode causar umas situações nada razoáveis para os meus parâmetros e que eles consideram super normal, do tipo ter um quarto sem nenhuma janela ou um banheiro no meio da sua cozinha) era nada agradável. No nível da rua e com um porão com mais mofo do que sei lá o quê, onde ficavam as máquinas de lavar e secar e tinha um quarto que ele queria nos convencer a ser o das visitas – tipo, super razoável instalar pai e mãe na lavanderia mofada, certo? Mas isso tudo foi o que eu adivinhei da conversa com ele, porque ele falava quebecois (que por alguma razão estranha, eles insistem em achar que é língua francesa) e eu não entendia quase nada do que ele estava dizendo. Guiba já tinha desistido há muito, mas eu sou mais perseverante. Até que o cara resolve abrir a porta da cozinha para a rua (todo lugar aqui tem duas saídas – por menor que seja, é lei, você tem que ter duas saídas para casos de emergências) para mostrar para a gente que dava para botar um barbecue ali (na ruazinha lateral) e usar a rua como seu quintal (para parâmetros de Montreal tá tudo ok) e ao fazer isso um gato entra na casa. E ele, sem sofrer muito, constata que o gato era o gato dos atual tenants que ele deve ter deixado escapar em alguma visita anterior e que agora estava retornando ao lar. Aí, o gato sai de novo pela porta e fica na rua. E o cara, constatando agora que era meio grave perder o gato alheio, vai tentar resgatá-lo. Estou chorando de rir ao lembrar a cena, mas não vou conseguir descrever para vocês visualizarem. Mas tento. O cara, meio que vestido de pijama, um senhor já, conversando com o gato em quebecois (uhuuuuuu le chat...) e fazendo uma estratégia para agarrá-lo enquanto o gato, com toda a sua gatice que lhe é peculiar, vai dando o maior baile no cara. Eu teria que desenhar. Ou fazer uma reprodução em filme. Mas juro, de gargalhar. Eu e Guiba até sentimos que devíamos ajudar o coitado do gato, mas não conseguíamos parar de rir.

E no fim das contas, visitamos todos esses apartamentos e outros tantos e paramos, para não mais sofrer. Desistimos. Apostamos que não ficaríamos na rua e decidimos dar um tempo para aparecer aquele sinal divino. E óbvio que o sinal apareceu, né? Veio da sala ao lado. Comentei com um colega de trabalho sobre a busca sofrida e ele me apareceu com o apartamento de um super amigo dele, pronto para morar, melhor localização ever, super limpo e bem cuidado, grandãozão e tudo o mais. É praticamente um 6 ½, o que significa que tem 6 cômodos mais banheiro, tzá?
E é isso, estamos aqui, lindamente instalados e esperando a visita dos lindos que estão aí. Simples assim. Óia a foto de um pedaço do apê já com a nossa cara aqui, ó. Que orgulho do lar:

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sobre lugares e sensações


Estive duas semanas trabalhando no Haiti e escrevi um email para compartilhar minhas impressões com os meus amigos. Por sugestão do Bruno, e considerando que este blog tá bem morto mesmo, achei que valia a pena compartilhar aqui.

Gente, o Haiti é uma loucura. Antes de ir, pensei que a Stéphanie, minha colega que foi comigo e que já tinha ido ao Haiti em duas missões anteriores, estava exagerando sobre o país. Pensei que para quem conhece países como Venezuela, Guatemala ou Panamá, o Haiti seria sussa. Mas não, não é.
É muito pior do que tudo o que já vi (deve ser mais parecido com partes da África, Índia ou Bangladesh).

Os sinais do terremoto estão por todo o lado. Até o palácio presidencial (foto aqui) está completamente destruído. O presidente se instala numa casa ao lado, isso quando ele está no país, já que ele passa a maior parte do tempo em sua casa de Miami. Mas nem vou entrar no tema da política por lá, porque é muito mais profundo.


As pessoas não têm trabalho. Ponto. Para quem conhece, lembra de como é nos países da América Latina em dias de mercado? Fica todo mundo na rua, andando pra cima e pra baixo, vendendo coisas, conversando, fazendo nada? Então, em Port-au-Prince é assim todos os dias. Todos os dias mesmo. E todas as horas do dia. Todas as horas mesmo.



Eu fiquei pensando numa imagem para as pessoas entenderem do que estou falando. Pois pensei no seguinte: imaginem as ruas da Pompeia cheias de muitas subidas e descidas e bem estreitas, com calçadas mais estreitas ainda e de mão dupla, certo? (podem imaginar Santa Tereza no Rio também, acho que é até melhor...), entonces, aí, tirem as casas e coloquem barracas, tendas, empilhados de madeira, concreto, tudo muito destruído, destruído mesmo, sem um pedaço da casa, com as paredes abertas e muitas lonas para tapar e cobrir tudo. Tirem também arvores que eventualmente existam e tirem um asfalto bem feito ou minimamente acabado e incluam no lugar uns buracos do tamanho do mundo. Agora adicionem lixo, muito lixo, em sacos, ao ar livre, empilhados ou espalhados. Fuçando nos lixos, coloquem cachorros, porcos, cabritos e galinhas (muitos e na mesma quantidade). Aí, coloquem as pessoas, muitas pessoas, de todas as idades, andando ou paradas, sempre carregando algo, grandes baldes ou tigelas enormes e pesadas na cabeça, outras pessoas sentadas no chão, vendendo frutas e legumes, vendendo roupas ou produtos de beleza ou minutos de celular, ou bilhetes de loteria. Muitas pessoas vendendo, quase ninguém comprando. Então, adicionem os carros. Dois tipos diferentes de carros, os jipes americanos mais ou menos bem cuidados da elite e da cooperação internacional, e os carros caindo aos pedaços do povo. 


Por último, incluam o transporte coletivo, que é feito por um carro tipo uma saveiro, super coloridos, com desenhos variados, com imagens de jogadores de futebol brasileiros (vi um Messi também, vai...), frases religiosas ou de motivação, enfim, decorados de todas as formas, com uma cobertura alta na parte de trás, em que as pessoas se sentam/empilham para serem transportadas. Como trilha sonora, incluam as buzinas, o tempo todo. E como cenário de background, sol, 32ºC, e chuva, muita muita chuva no fim da tarde, o que gera as enxurradas e subsequentemente as poças, que permanecem pelos próximos dias. Também no background e com uma frequência relevante, incluam grandes caminhões das Nações Unidas carregando soldados ou pedras.



Agora vcs visualizaram Port-au-Prince. E não é assim numa única área. Andei a cidade toda e é assim por todo o lado.



O único (único!) lugar bonito que vi na cidade toda é o palácio destruído. A catedral (aqui), ou o que sobrou dela, também é linda.
Ok, vi também dois restaurantes e um hotel frequentados pela elite local e pela cooperação internacional.






Mas, voltando ao caos. Com a situação descrita, é fácil deduzir que o transito não anda, por óbvio. Não anda. Para ir de um lugar a outro, o normal é levar uma hora. Ainda que seja bem perto. Um dia, ficamos 40 minutos parados dentro do carro na frente de um buraco na rua que estava sendo consertado naquele momento. Era uma encruzilhada de três sentidos (acho que isso não é muito preciso, mas tudo bem) e ninguém conseguia atravessar. Havia um policial tentando coordenar o fluxo, ou melhor, desentalar o sujeito que estava com o carro dentro da cratera, para conseguir liberar minimamente o tráfego e fazer fluir o trânsito. E outros 10 homens (ou mais) em volta, dando palpites. Chegou um mega carrão, de alguma autoridade ou de um endinheirado qualquer, vai saber, e veio cruzando todo mundo na contramão, porque por algum motivo, ele achou que ele ia passar. Todo mundo começou a xingá-lo, afinal, ele travou o transito de tal maneira que era muito difícil visualizar uma saída (foto abaixo). Aí, sabem o que o policial fez? Mandou todo mundo à merda e foi embora. Juro, assim mesmo. Eu e Stéphanie quase descemos para tentar coordenar a coisa. Mas o nosso parceiro local nos proibiu (ainda bem!).


No Haiti, há uma montanha de cooperação internacional. E ao que parece, não está funcionando. São milhões e milhões de dólares investidos para pagar o RH de todas as organizações que deve sobrar bem pouco para investir mesmo em transformar o país. A vontade é de dizer para todo mundo o seguinte: parem tudo, sentem, conversem e tracem um novo plano, porque do jeito que tá, não está funcionando. Ponto.

Fiquei duas semanas por lá (que pareceram seis meses) e não sei o que acho dos haitianos. Não dá nunca para saber se eles estão felizes, tristes ou putos, é sempre muito difícil. Chama a atenção é que eles são vaidosos, muito vaidosos. Estão sempre muito bem vestidos e penteados, o que é bastante surpreendente se você pensar no caos que é a cidade e as casas das pessoas, além do calor que faz por lá. Talvez por esse excesso de vaidade é que o comércio que mais se vê pela cidade é Salon de Beauté para mulheres e Barber Shop para homens. Quando pegamos a estrada, chamou a atenção também a quantidade de funerárias. Pros haitianos, os ritos funerários são super importantes e eles gastam muito dinheiro nisso. Parece que uma das coisas mais sofridas para eles no pós-terremoto foi não poder enterrar propriamente os mortos. Lembram que eles queimaram os cadáveres nas ruas? Então, parece que isso foi muito difícil por lá.


Por lá, visitei também um campo de refugiados, chamado Camp Corail (foto abaixo). Apesar de imaginar que não deve ser fácil viver num campo, eu preferiria um milhão de vezes morar ali do que em PAP. Mesmo. São minicasas de madeira, banheiros públicos compartilhados, luz elétrica eventual, mas tudo é muito mais limpo e organizado do que na cidade.








Aliás, fora de PAP, o Haiti é bonito, devo dizer. As cidades seguem sendo caóticas e feias, mas as praias são maravilhosas. Eu e a Steph passamos o fim de semana em um hotel na Ile-à-Vache (ilha da vaca), um lugar maravilhoso. O hotel era de um francês e por ser a ilha uma rota haitiana e jamaicana pro tráfico de drogas, temo que ele deva ser um big boss do tráfico por lá e o hotel é só fachada ou lavagem de dinheiro. Não sei, não investiguei, só fiquei com a impressão. Talvez se tivesse descoberto algo não estaria aqui para contar a história, né?





Na volta da ilha, nosso carro quebrou na estrada, perto de Les Cayes, uma cidade “perigosa” do Haiti. Nosso motorista não sabia o que fazer (nosso primeiro motorista era surreal, do tipo que vc não sabe se sente dó ou raiva, sabe?) e essa foi uma experiência bem desagradável. Senti medo, o que eu detesto sentir. Medo por ser mulher parada no meio de uma estrada, com um monte de homem parando na estrada não para te ajudar, mas para olhar. Horrível.

Mas além do medo, o que mais me incomodava era a culpa. No Haiti, eu me sentia culpada o dia todo. Culpada por ter uma situação melhor e pensar que as pessoas vivem assim; por sentir nojo de algumas coisas que são cotidianas por lá; por querer trocar de motorista porque ele não fala francês e não conhece bem os caminhos, mas saber que ao pedir para substituí-lo, ele perderá o emprego; por achar o hotel muito ruim quando o meu quarto é muito maior do que a casa da maioria das pessoas; por saber que estou por lá trabalhando com algo que pode melhorar um pouquinho a vida das pessoas, mas me sentir meio estelionatária porque sei que, do jeito que a coisa anda, nada vai mudar de fato no fim das contas. Enfim, sabem essa sensação?
Então, e horrível sentir-se mal o tempo todo por sentir-se mal de estar em algum lugar.