quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sobre a primeira Conferência Nacional de Segurança Pública

A primeira Conferência Nacional de Segurança Pública aconteceu no último final de semana.
Ali em Brasília, estavam reunidos milhares de pessoas entre sociedade civil, trabalhadores da segurança e gestores da área.
Com as milhares de pessoas, milhares de intenções, de desejos e de expectativas.
No final, apenas 10 princípios e 40 diretrizes.
No saldo, a sensação de trabalho cumprido e muitas frustrações.

A Conseg foi um momento político único que trouxe o debate de segurança pública para o primeiro plano. Mais do que isso, trouxe o debate para o plano da segurança pública.
E isso é mesmo muita coisa. Para quem conhece e entende as dinâmicas das polícias, vai entender o que estou dizendo.
E não só para as polícias, mas a realização da Conseg obrigou um monte de gente a pensar sobre o tema. É aí que entram os movimentos sociais historicamente distantes do assunto, criminalizados constantemente, mas com uma cultura participativa constante.

E fomos todos à Conferência.
E os resultados dessa participação foram desastrosos para quem, como eu, trabalha e milita na área.
Os princípios e diretrizes aprovados na Conseg refletiram uma segurança pública que deve continuar pautada na repressão e em questões corporativistas.
Até entendo os trabalhadores da área que, aproveitando a primeira oportunidade de consolidar suas pautas, valorizar sua profissão e transformar sua realidade, tinham pleitos essencialmente relacionados a suas questões trabalhistas e corporativas, quando não eram competitivos entre eles.
Agora, acho lamentável que a sociedade civil tenha embarcado nessa onda e tenha referendado esse modelo de segurança.
E isso porque não se tratava da sociedade em geral, mas estou falando de sociedade civil organizada, os militantes de movimentos sociais e suas diversas causas: mulheres, jovens, negros, LGBTs, pessoas com deficiência, enfim.
O lance é que esses movimentos estavam todos lá representados pleiteando, juntos, mais repressão.
Suas pautas eram também corporativistas, por assim dizer: movimento LGBT pleiteando a criminalização das condutas homofóbicas; movimento feminista pleiteando cumprimento da Lei Maria da Penha; movimento de idosos pleiteando delegacias especializadas.
Controle da atividade policial, redução da letalidade policial, propostas de matriz curricular para formação de trabalhadores de segurança, construção da cultura de paz, participação na formulação da política de segurança, etc - temas essenciais para uma reformulação do modelo (que não tem dado certo! Alô!!!) existente, quem tinha era somente as pessoas da sociedade historicamente engajadas com o tema. Uns tantos pesquisadores, alguns gestores, pouco trabalhadores.
E aí que a segurança que escolhemos na Conseg foi essa aí que deseja a polícia penal para ter mais polícia na rua (que polícia?, ninguém quer se perguntar); que deseja mais crimes no Código Penal; que quer que as guardas municipais também andem armadas fazendo policiamento ostensivo; que entende que política de segurança se faz mesmo com direito penal, polícia, delegacias especializadas e prisão (imaginando que criminalizar uma conduta, criar uma delegacia para um público específico, botar mais gente na cadeia vai mesmo mudar uma sociedade...).
Desastroso resultado.

Saí triste da Conferência. E estou triste até agora.

E aí eu fico mesmo me perguntando se vale a pena consultar a sociedade sobre o tema da segurança.
Eu me lembrei muito do que aconteceu com o referendo do desarmamento em 2005. Vocês se lembram?
Para mim, era mais do que lógico - e absolutamente ilógico alguém discordar disso - que acabar com o comércio de armas de fogo no país é essencial para a redução da letalidade, ou seja, conforma uma política de segurança pública não pautada na repressão, mas na prevenção.
Mas aí vem a consulta pública e o resultado é o não. O país não quer acabar com o comércio de armas de fogo, ainda que diga querer parar de contar seus mortos.
Vai entender?!

Inúmeras justificativas para essa derrota de 2005.
Outras tantas para a derrota de 2009.
Eu fico com uma: com segurança não se brinca. E, infelizmente, quando a insegurança é um sentimento constante das pessoas (muito mais pelo medo do crime do que pela vitimização propriamente), não há racionalidade que resista. O povo quer repressão. E ponto.
É preciso entender, no entanto, que as estratégias puramente repressivas não têm funcionado em todos esses anos.
Se quisermos segurança mesmo, de fato e não só de direito, vamos ter que pensar muito além do direito penal, das polícias e dos presídios.
É o que eu tenho feito.
Alguém mais se habilita?

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